pleura
“ todos os rios correm para o mar, e o mar não se enche; ao lugar para onde correm os rios, para lá tornam eles a correr.”
eclesiastes 1:7
1.
couraças abertas no primeiro do último século. órgão cimentado rubro. como no princípio: a dor era parte inferior. criaram um nome para tapar os buracos: chamaram-no coração. veio o tempo que é enganador. soprou sob os rostos das mulheres primeiro: fez delas coisas impraticáveis. e depois foi no olho esquerdo dos homens: os fez secretos. foi para as crianças criou a eternidade dentro.
o coração verga – disse o X. era preciso um órgão que fosse seguro. atento aos delírios da visão.
2.
olharam-se: os únicos feitos para a sorte. caminharam endireitados sem saber onde se tinham escondido os ouvidos. os pés alados sofreram a pressa do sopro vindo das pedras. - para que servem os dedos? o mundo é um espelho centrado, ofusca as mãos.
(uma voz diz):
entras na porta transfigurada, força vulcânica. pulmões no clarão agudo da morte.
entras na destreza das coisas com as glândulas por fora: invasão surda.
imóvel. entras na carne da razão com a luz apagada.
sabes e sabes que a luz apagada é a mais acesa. pela pálpebra entras no interior do redemoinho ou na ferida hermética.
3.
foi naquele dia em que o céu caiu para receber o poema da ditadura. as vozes dos homens amanheceram, quem podia cantar cantou. continuam eles à procura do órgão. – façam o que quiserem, dei-vos a liberdade.
os cegos inundaram as vísceras. os surdos enlouqueceram.
o mistério deambula no órgão primário. ossos do órgão podem se ver no firmamento.
4.
o mundo faz barulho à procura desse animal. ele que sobe e desce nas alturas supostas pelas grandes tempestades. deus vê as caras brutas dos sentimentos, perdoa e continua….o animal geme de fome. na nuca tem água violenta. sede mais antiga que o corpo com todas distâncias da terra. esse animal universal concentrado na insónia, arrasta para fora a estação circular das poças. veda a treva e a luz no mesmo saco. belo clarão o que se faz por cima das entoações secretas.
5.
uma fotografia guiada por uma criança, - dizem a única que pode ver o animal:
“era uma árvore rosada, com ramos magros altos oblíquos, em cada ramo havia um livro fechado na parte superior e noutros menores livros abertos. dificultavam o tórax, traziam abelhas nas flores rasas. como a árvore tinha olhos, o peso não se aguentava sob as pálpebras. por isso surgiram as membranas revestidas de leveza, pareciam esponjas. pareciam algodões.”
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