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Foto do escritorRevista Sphera

Fragmento de “Solidão vereda”, romance inédito de Arthur Cecim

Atualizado: 10 de nov. de 2021


Ouve, ouve bem os esquecidos passos daqui, Homem: prossegue.

Seguindo rumo adiante, os ramos da luminosidade ainda florescem aqui e ali sob as lâminas incertas dos telhados ao longo do chão, tortas, quando os mormaços se esfumaçam e vagam, esquecidos e entorpecidos.


As sombras dormem demais, sob os dias que passarão. Os céus sonham, vejam o azul em sono profundo. Não há gemidos de aves nos altos. Os muros baixos urram, a casa grande urra mais alto ainda. As árvores regendo ao vento, o coro das folhagens rangendo notas demolidas e mortas. Os vastos e lentos golpeios dos galhos murmurando aos muros. As nuvens à margem do silêncio quase a desabar, mareando no firmamento, prestes a rugir quando do rajar da chuva. Mas nossos verões são muito firmes e as gotas secas não muito dirigem seus passos nas eternas noites dos pensamentos insones dos cerâmicos telheiros da estrebaria, do celeiro,


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da casa grande e das benfeitorias, além dos campos inundados de berrante solidão. Fora os bosques esverdeadamente nublados de copas de árvores frondosas, vulcânicas no vendaval. Vãs.


O vento entreabre uma das cancelas e te ouve pisando a grama, enquanto isso...


Pássaros esfaqueiam as nuvens. Travesseiros furados por punhais. Penas flutuam.


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O celeiro exala o tempo abandonado. O sol, um grito surdo no céu da manhã. Sombras se retardam pelo telheiro derramado sobre a construção de madeira pintada de vermelho, hoje tingida pelo branco do clarão. Aves se dissiparam pelos ares. A imensa abertura no segundo andar aspira aos céus indômitos: respira estorvada seus diais escuros sob as trevas das copas das árvores. Uma cova: dos interiores de penumbra do celeiro revoam almas, pássaros mareantes.

Mais um pouco de andança com os olhos e ali jaz a granja: pela pequena trilha de terra batida, banhada e malhada de sombreados, se chega aos bebedouros e comedouros sem som, só alma, onde nenhum grito de ave poderá ser ouvido. O verão assombra esta estância com seus cozimentos e aclarados nas paredes. Caiando nossos olhos.


Os dias passam pelas cabeças dos telhados em ruídos.

As janelas serão sempre tapadas pelo vento e substituídas por lamentos. O rio das manhãs de verão corre nos céus sem voz.


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Os caminhos da granja encovada em solidão guiam para a casa grande, o poço e a casa do caseiro, os tanques, o armazém inundado de eternidade, o riacho Solidões. A casa grande afundada em sombras em seus interiores, o telhado escorrendo, perfumada pelas flores aspirantes e oscilantes nos passos perdidos do vento. As rosas desdobravam seus papeis de embrulho quando dos repentes da brisa. O sol: a manhã sem fé, adormecida sob os mantos da luz. Quando os mormaços terminarem de borbulhar surdamente, que é quando ouvimos o arrastar de suas pesadas sombras pela terra, as iluminações irão cauterizar as plantas.

Um arbusto triste e envergado diante da casa. Uma cauda de vento o atravessa.


A casa grande preme. Estancada. Somente o sangue de sua sombra. Um poste a espera eternamente. A construção desespera perpetuamente diante do poste irrompendo ao céu agora morno pelo mormaço. A varanda aguarda os dias, os pássaros. As horas sonolentamente desaparecem a cada ondular de maré de luz. Ah os esquecidos. E o que restara do borbulhar das galinhas papudas na granja? O que sobrara dos caminhos descampados que não guardam mais os passos e sim somente as sombras que gritam pelo chão quente, abafadas e sem ninguém para as ouvir.


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Com as primeiras luzes do dia.


As manhãs em vão se perpetuam sem saber. Voltam então os pássaros que perfuram o silêncio, estremecem suas gargantas para afugentar os que não os reconhecem. Estouram em bandos nos luzidos e cegos verões e as lãs dos florais adormecem mortas, sentindo a morte acordadas. Pássaros mergulham em passeio sobre telhados derramados no tempo. Mas que tempo será este daqui senão um campo dentro do sonho.


O sol vai assumindo os altos. O meio do dia se aproxima. As sombras se misturam com as luzes. A sombra do poste diante da casa grande vai sendo achatada. Se tornando um fino rio morrendo, se tornando longo demais.


Está derretendo. Tudo sumindo no caiar do clarão. Plantas voam e pousam, sem sair do lugar, sem abandonar a cova de seus vasos, sob o bater de cabeça do vento. Este que vomita em nossos ouvidos a todo momento, se desboca.


Roseiras deixam suas cabeças cair. Se levantam, apenas os pescoços. Suas sombras se perderam pela grama.


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De tristeza alegre o gramado treme seus florescimentos, arejado aqui e ali, anêmico onde a luz bate toda a sua alma, as folhas lambendo-se ao vento. Os colmos escondidos sob as lâminas, sob o espantar da ventania murmurante. Raminhos e palhas estremecem. Recusam reverência à manhã enquanto esta forjar tempo com as luzes douradouras do dia. Nos altos, as nuvens bucólicas em seus ranchos esquecidos.


Vagam sem olhos. Vidas em vão. Veredas.


Ouve o som das sombras:


Será por isso que muitos de nós não toleram a solidão. A alma das coisas. Esta doce música terrena que tudo habita. A tão intocável substância do silêncio. Tão bem costurada. Para que não possamos tirar-lhe a roupa do mistério.


Trecho do romance inédito de Arthur Cecim, “Solidão Vereda”.



Arthur Cecim

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