Vera Casa Nova
Leitura de corpo
Abraçado a mim, dizes
O inimaginável: holocausto.
Resumo da vida
Tornada visível pela foto,
Perplexa vivo o como se.
Começo tudo de novo.
Esse caminho do teu corpo
A dizer meu nexo,
Minha escrita.
Bruma, Brumadinho
A fumaça entorpece o corpo.
A queimada faz sofrer as ninfas, as deusas da floresta.
E a cidade é inabitável.
Sucumbem diante de nós
Os rios, suas águas, sua lama.
Os peixes choram e logo morrem por asfixia.
Embriagar-se seria uma solução e sem rima absolutamente.
“Minas não há mais”. Restam pedaços de terra comidos pela devastação.
As imagens mostradas caem por terra como um livro sem gozo.
Resta uma comida amarga feita de um passado de dor.
O anjo noturno beija a face do Angelus Novus.
Poeira.. poeira... poeira... o poeta come dessa poeira.
Como uma carniça desolada e observada por urubus
As ruínas seguem um percurso.
Imensidão de lama (en) cobrindo corpos.
Insanidade perene.
Mas o poeta vê.
Os homens negam o dilaceramento.
Restam o vazio e o abismo depois que máquinas-monstros devoram casas e ossos.
As dores e as sombras enfestam a noite,
E os ventos trazem aos nossos olhos o pó do minério. Ficaremos cegos?
Dizem: ”mineiro é feito de ferro” !!!
O ferro foi lavado sujando a água cristalina dos índios plantadores das margens do
Paraopeba, das Velhas
Voltarás à lama, ao barro de onde vieste, antes do tempo.
Pó.
No entanto, as crianças ainda brincam no quintal da casa acreditando no presente do
futuro e na justiça. A dos homens ou a de Deus?
O poeta tem as palavras e os versos são as vítimas.
2019
Para João Gilberto Noll num dia frio, tomando um cálice de vinho
Aperto tua mão -
Me dás um abraço em tua página bailarina.
Descrevo lugares impossíveis,
Experiências enigmáticas se seguem,
Vozes delicadas descrevem imagens.
Sombras de uma guerra particular.
Sou cega desse lugar:
Sou copista do teu fantasma,
Sou tua leitora
Diamantina, 2010
Mais ainda
Abraçada ao meu desejo
Mais, ainda...
Quero esse abraço
Encontrando vísceras e vísceras
Peito a peito
Coxa a coxa
Com a cabeça pendente
Deitando óculos ao chão.
Minha voz no silêncio de teu desenho no meu.
Se assim não for,
Quero o abismo mais abissal me estrangulando,
o tempo vazio como partilha
e o informe como meu único saber.
Liquidação
Liquida-se o humano
Na falta de abraço.
No portal do teu corpo,
Viro uma pérola satírica
Ou uma aparição vinda do espaço.
Presença
A ausência do amigo
Longe ou perto
Deixa deslizar no esquecimento
O eu do nós.
Cantamos Mangueira como cenário
Nesse diálogo de vozes: a perenidade.
Inquietude diante do que foi
Percorrer esses caminhos
E deixar vir os fantasmas
E lembrar a amizade no abraço último
Do teu corpo morto.