Foto: Rogers / Camera Press / Redux
Nada A Ser Dito
Para nações obscuras como ervas
Para nômades entre pedras
Tribos de pequena estatura e caras parecidas
E famílias empedradas na pobreza
Em cidades-moinhos nas manhãs escuras
A vida é morrer lentamente.
Assim como seus diferentes modos
De construir, de abençoar,
Medir o amor e o dinheiro,
Modos de morrer lentamente.
O dia gasto na caça ao porco
Ou participando da garden-party,
Horas gestando evidências
Ou dando à luz, avançam para
A morte com igual lentidão,
E dizer isso a alguns
Nada significa; a outros, não deixa
Nada a ser dito.
Nothing To Be Said
For nations vague as weed,
For nomads among stones,
Small-statured cross-faced tribes
And cobble-close families
In mill-towns on dark mornings
Life is slow dying.
So are their separate ways
Of building, benediction,
Measuring love and money
Ways of slow dying.
The day spent hunting pig
Or holding a garden-party,
Hours giving evidence
Or birth, advance
On death equally slowly.
And saying so to some
Means nothing; others it leaves
Nothing to be said.
Dinheiro
Regularmente, o dinheiro me repreende:
“Por que me deixa aqui parado, inutilmente?
Sou tudo o que você jamais teve, em bens e sexo,
Você inda pode conseguir, é só fazer o cheque.”
Eu olho para os outros, o que fazem da grana,
Decerto não a deixam debaixo da cama.
Todos têm casa nova, carro novo, mulher nova:
Dinheiro é vida, eis a prova.
De fato, têm muito em comum, se você reparar:
Não se pode adiar a juventude até se aposentar,
Gozo pago como for, o dinheiro que se poupa
Não compra, no fim, mais que um prato de sopa.
Eu ouço o dinheiro cantando. É como o panorama,
Visto de altas janelas, duma cidade provinciana,
Os cortiços, o canal, igrejas de agulhas em riste
Ao sol da tarde. É profundamente triste.
Money
Quarterly, is it, money reproaches me:
'Why do you let me lie here wastefully?
I am all you never had of goods and sex,
You could get them still by writing a few cheques.'
So I look at others, what they do with theirs:
They certainly don't keep it upstairs.
By now they've a second house and car and wife:
Clearly money has something to do with life
In fact, they've a lot in common, if you enquire:
You can't put off being young until you retire,
And however you bank your screw, the money you save
Won't in the end buy you more than a shave.
I listen to money singing. It's like looking down
From long French windows at a provincial town,
The slums, the canal, the churches ornate and mad
In the evening sun. It is intensely sad.
Amor, devemos partir agora
Amor, devemos partir agora: não deixe que seja
Desastroso e amargo. No passado,
Já houve por demais luar e auto-piedade:
Vamos terminar logo com isso: afinal,
Nunca o sol cruzou o céu mais ardoroso,
Nem houve corações mais sedentos de ser livres,
De suplantar mundos, abater florestas; você e eu
Já não os temos. Somos cascas, que vêem
O grão seguir em frente para outro destino.
Fica o remorso. Sempre fica o remorso.
Mas é melhor que nossas vidas se desatem,
Como dois navios, soltos ao vento, lavados de luz,
Largar de um estuário com diverso curso,
Vogar além, vogar e se perder de vista.
Love, We Must Part Now
Love, we must part now: do not let it be
Calamitious and bitter. In the past
There has been too much moonlight and self-pity:
Let us have done with it: for now at last
Never has sun more boldly paced the sky,
Never were hearts more eager to be free,
To kick down worlds, lash forests; you and I
No longer hold them; we are husks, that see
The grain going forward to a different use.
There is regret. Always, there is regret.
But it is better that our lives unloose,
As two tall ships, wind-mastered, wet with light,
Break from an estuary with their courses set,
And waving part, and waving drop from sight.
Contagem
Pensar em termos de um
É muito comum —
Um quarto, uma cama, uma cadeira,
Uma pessoa inteira
Faz todo o sentido; um punhado
De desejos pode ser alcançado,
Um caixão preenchido.
Mas contar até dois
É mais difícil, pois
Um há de ser negado
Antes de provado.
Counting
Thinking in terms of one
Is easily done —
One room, one bed, one chair,
One person there,
Makes perfect sense; one set
Of wishes can be met,
One coffin filled.
But counting up to two
Is harder to do;
For one must be denied
Before it's tried.
Um dos poetas favoritos de John Lennon, Philip Arthur Larkin (1922-1985), nasceu em Coventry, Inglaterra. Um dos mais destacados poetas britânicos modernos, estreou com Night Ship (1945), e publicou, entre outros, The Whitsun Weddings (1965), High Windows (1974) e Aubade (1977). Presidiu a biblioteca da Universidade de Hull durante décadas. Em 1984, declinou de ser nomeado poeta laureado por não dispor de tempo para os compromissos decorrentes dessa posição. Morreu de câncer, aos 63 anos, exatamente como seu pai, que morreu da mesma causa, com a mesma idade, e também foi bibliotecário.
Luiz Roberto Guedes publicou, entre outros, “Calendário lunático” (2000), poemário bilíngue (português/italiano), “Paixão por Sâo Paulo” (2004), antologia poética paulistana, com 72 poetas, e “Erosfera” (Lumme Editor, 2017), igualmente bilíngue, português/italiano, com traduções de Fabrizio Wrolli.