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Foto do escritorRevista Sphera

Quatro poemas de Philip Larkin em tradução de Luiz Roberto Guedes


Foto: Rogers / Camera Press / Redux



Nada A Ser Dito

Para nações obscuras como ervas

Para nômades entre pedras

Tribos de pequena estatura e caras parecidas

E famílias empedradas na pobreza

Em cidades-moinhos nas manhãs escuras

A vida é morrer lentamente.


Assim como seus diferentes modos

De construir, de abençoar,

Medir o amor e o dinheiro,

Modos de morrer lentamente.

O dia gasto na caça ao porco

Ou participando da garden-party,


Horas gestando evidências

Ou dando à luz, avançam para

A morte com igual lentidão,

E dizer isso a alguns

Nada significa; a outros, não deixa

Nada a ser dito.



Nothing To Be Said

For nations vague as weed,

For nomads among stones,

Small-statured cross-faced tribes

And cobble-close families

In mill-towns on dark mornings

Life is slow dying.


So are their separate ways

Of building, benediction,

Measuring love and money

Ways of slow dying.

The day spent hunting pig

Or holding a garden-party,


Hours giving evidence

Or birth, advance

On death equally slowly.

And saying so to some

Means nothing; others it leaves

Nothing to be said.



 

Dinheiro

Regularmente, o dinheiro me repreende:

“Por que me deixa aqui parado, inutilmente?

Sou tudo o que você jamais teve, em bens e sexo,

Você inda pode conseguir, é só fazer o cheque.”


Eu olho para os outros, o que fazem da grana,

Decerto não a deixam debaixo da cama.

Todos têm casa nova, carro novo, mulher nova:

Dinheiro é vida, eis a prova.


De fato, têm muito em comum, se você reparar:

Não se pode adiar a juventude até se aposentar,

Gozo pago como for, o dinheiro que se poupa

Não compra, no fim, mais que um prato de sopa.


Eu ouço o dinheiro cantando. É como o panorama,

Visto de altas janelas, duma cidade provinciana,

Os cortiços, o canal, igrejas de agulhas em riste

Ao sol da tarde. É profundamente triste.



Money

Quarterly, is it, money reproaches me:

'Why do you let me lie here wastefully?

I am all you never had of goods and sex,

You could get them still by writing a few cheques.'


So I look at others, what they do with theirs:

They certainly don't keep it upstairs.

By now they've a second house and car and wife:

Clearly money has something to do with life


In fact, they've a lot in common, if you enquire:

You can't put off being young until you retire,

And however you bank your screw, the money you save

Won't in the end buy you more than a shave.


I listen to money singing. It's like looking down

From long French windows at a provincial town,

The slums, the canal, the churches ornate and mad

In the evening sun. It is intensely sad.



 

Amor, devemos partir agora

Amor, devemos partir agora: não deixe que seja

Desastroso e amargo. No passado,

Já houve por demais luar e auto-piedade:

Vamos terminar logo com isso: afinal,

Nunca o sol cruzou o céu mais ardoroso,

Nem houve corações mais sedentos de ser livres,

De suplantar mundos, abater florestas; você e eu

Já não os temos. Somos cascas, que vêem

O grão seguir em frente para outro destino.


Fica o remorso. Sempre fica o remorso.

Mas é melhor que nossas vidas se desatem,

Como dois navios, soltos ao vento, lavados de luz,

Largar de um estuário com diverso curso,

Vogar além, vogar e se perder de vista.



Love, We Must Part Now

Love, we must part now: do not let it be

Calamitious and bitter. In the past

There has been too much moonlight and self-pity:

Let us have done with it: for now at last

Never has sun more boldly paced the sky,

Never were hearts more eager to be free,

To kick down worlds, lash forests; you and I

No longer hold them; we are husks, that see

The grain going forward to a different use.


There is regret. Always, there is regret.

But it is better that our lives unloose,

As two tall ships, wind-mastered, wet with light,

Break from an estuary with their courses set,

And waving part, and waving drop from sight.



 

Contagem

Pensar em termos de um

É muito comum —

Um quarto, uma cama, uma cadeira,

Uma pessoa inteira

Faz todo o sentido; um punhado

De desejos pode ser alcançado,

Um caixão preenchido.


Mas contar até dois

É mais difícil, pois

Um há de ser negado

Antes de provado.



Counting

Thinking in terms of one

Is easily done —

One room, one bed, one chair,

One person there,

Makes perfect sense; one set

Of wishes can be met,

One coffin filled.


But counting up to two

Is harder to do;

For one must be denied

Before it's tried.



 

Um dos poetas favoritos de John Lennon, Philip Arthur Larkin (1922-1985), nasceu em Coventry, Inglaterra. Um dos mais destacados poetas britânicos modernos, estreou com Night Ship (1945), e publicou, entre outros, The Whitsun Weddings (1965), High Windows (1974) e Aubade (1977). Presidiu a biblioteca da Universidade de Hull durante décadas. Em 1984, declinou de ser nomeado poeta laureado por não dispor de tempo para os compromissos decorrentes dessa posição. Morreu de câncer, aos 63 anos, exatamente como seu pai, que morreu da mesma causa, com a mesma idade, e também foi bibliotecário.


Luiz Roberto Guedes publicou, entre outros, “Calendário lunático” (2000), poemário bilíngue (português/italiano), “Paixão por Sâo Paulo” (2004), antologia poética paulistana, com 72 poetas, e “Erosfera” (Lumme Editor, 2017), igualmente bilíngue, português/italiano, com traduções de Fabrizio Wrolli.


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