Apontamentos
Pronta pra morrer,
assim, já posso viver.
Sem apego, nem desapreço,
tudo na medida que é,
no ponto do instante -
não menos, nem além,
nada exato, matemático.
A vida em fogo... brando?
Olhai os lírios e os campos!
Contemplai réus e santos!
Todo juiz tem seu manto,
tudo flui em jogo manco,
em canto, pranto e espanto.
Há quem chega num piscar,
outros tardam o alcançar.
- Se há saída? Só navegar!
(Des)ilusão
Ficou à espreita
de algum fato,
algo inusitado,
sonho encantado.
Restou estreita...
ausente, renitente,
ignorou presente,
tempo premente.
A vida, um vão.
Querendo longe,
perdeu o bonde,
sem nunca ter tido
o que estava à mão.
Gosto de infância
A infância me veio à boca,
doce e amarela, em linhas,
uma, duas, várias vezes.
Tem caroço
e nem quero moço;
só o pé de manga
e, de galho em galho,
pisa aqui, segura ali
até o mais alto,
onde só chega
quem não subiu no salto.
Um dia qualquer
Um dia pachorrento
Motivo algum para nada
Nem tristeza ou alegria
Mas o dia me amassa
Sova, sova e não passa
Pergunto às cartas:
cavalo branco e cavalo preto
puxam o carro - direções opostas
Eu, sem Ares, me divido ao meio
Rasgada de cima a baixo
Se Afrodite me soprar
pode haver algum alívio
Paciência
É só uma quarta-feira de fevereiro de um ano sinistro
Eu me remoo
Por não saber de mim
Por me amargar
Mas sei esperar
Sidneia Simões
"Pronta pra morrer, assim já posso viver" - Mas, "Se Afrodite me soprar..." belos poemas!