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Os desafios do jornalismo cultural e seu compromisso político com a felicidade

Atualizado: 28 de dez. de 2022

Nisio Teixeira

O jovem João Paulo Cunha. Crédito: Arquivo Família JPC.


A recente morte do escritor, intelectual e jornalista João Paulo Cunha (17/5/1959-09/09/2022) se agrega a tantas outras perdas sentidas e sensíveis que tanto fazem falta em momento tão decisivo na trajetória nacional como o de agora, sobretudo pelo esmero e atenção com que João se debruçava para a área Cultural - e como editor da seção no jornal Estado de Minas, por quase 20 anos. Graduado em Psicologia, Pedagogia, Filosofia e Comunicação Social, muitos colegas daquele jornal reiteram a incrível capacidade redacional e enclopédica de João Paulo ao ser convocado a debruçar para a escrita, muitas vezes imediata, de temáticas diversas.


Afora uma única circunstância mais informal, na mesa do extinto Bar Brasil, onde, por acaso, me encontrei com João e alguns outros colegas e debatemos temas distintos - sobretudo, no meu caso, o cinema de Clint Eastwood - os demais contatos que tive com João Paulo sempre foram mediados por algum afazer acadêmico discente, além, claro, da minha condição de leitor. Todavia, em uma ocasião, houve uma aproximação maior em função da organização, por parte do Sindicato dos Jornalistas Profissionais de Minas Gerais, onde eu era então diretor artístico-cultural, do I Seminário de Jornalismo Cultural de Belo Horizonte, realizado em setembro e outubro de 1998, no Centro Cultural Belo Horizonte (atual Centro de Referência da Moda). João Paulo Cunha, editor do então caderno Espetáculo, do jornal Estado de Minas, dividiu a abertura do evento com a presença de Jefferson Del Rios, editor da Revista Bravo! no dia 21 de setembro daquele ano. Dias mais tarde, em 9 de outubro, voltaria ao debate ao lado dos colegas, também então editores de dois outros cadernos culturais diários do estado: Roberto Mendonça (caderno Cultura, jornal Hoje em Dia) e Antônio Siúves (caderno Magazine, jornal O Tempo). Boa parte dessas conferências foram gravadas e posteriormente transcritas. Em ambas participações – mais sucinto na primeira e detalhado na segunda - João Paulo Cunha indica parâmetros que julga fundamentais para a discussão do jornalismo cultural. Assim, aqui eu faço um breve diálogo com um recorte ainda mais breve do que João Paulo propôs como desafios para o exercício da profissão nesse campo do jornalismo - o que, quase um quarto de século depois, se mantêm interessante para um debate, mesmo em que pese aí toda a reconfiguração dada pelas novas mídias à imprensa e à cultura.


Alguns desafios, já naquela ocasião, são indicados por João Paulo: o primeiro deles, habitar um mundo no qual cada vez mais se tem menos tempo para as coisas. Para ele, a compressão violenta desse espaço temporal impacta tanto nas tarefas cotidianas, mais fundamentais para nosso crescimento pessoal como também na rotina profissional de produtoras culturais (cinema, vídeo, editoras), universidades e veículos como jornais e revistas. O que também implica numa circulação cada vez maior de informação, num ciclo que, muitas vezes, paralisa o pensamento conceitual da realidade - o que seria, precisamente, uma importante contribuição do jornalismo cultural: ativar e pedir um tempo para se apreender este pensamento.


Nesse sentido, para João, um segundo desafio é a capacidade de articular, num mesmo momento e espaço, as demandas da indústria cultural e a ideia de um jornalismo de qualidade. De um lado, o bombardeio em série, crescente, de gravadoras, editoras, produtoras para se fazer manifestar. De outro, uma necessidade do público em estar atualizado com essas demandas apresentadas. No meio do caminho, para João, uma necessidade real, e que de alguma forma, tem que ser satisfeita, ainda que selecionada pelo crivo do jornalista cultural - da melhor maneira possível, com a melhor qualidade possível - no veículo em que atua, sob a pressão desta agenda.


Terceiro desafio apontado é a relação entre o aspecto formativo e o informativo. Neste, a representação do máximo possível do que acontecerá na cidade e que as pessoas têm que saber, um âmbito muito trabalhoso do dado informativo, operação muito cuidadosa e indispensável, mas que se soma ao aspecto formativo. Aqui João se contrapõe à frase “gosto não se discute”, pois, para ele, se tem uma coisa boa de se discutir é gosto - e o resto até pode não valer a pena. O exercício de dizer porque gosta ou não gosta gera boas conversas e são debates que podem ser produtivos porque formativos. Para João, a crítica bem feita nada mais é do que um bom trabalho jornalístico na área cultural. Da mesma forma que você tem que apurar uma notícia de saúde, de polícia, de cidade, usando elementos técnicos desse tipo de apuração; na cultura trabalha-se com elementos que são sedimentados muito mais na história, na evolução da estética, e mesmo num padrão de gosto ao qual a sociedade se vincula aceitando ou está em desacordo. O jornalista tem o dever e o prazer de assistir a tudo que acontece na cidade, como também a obrigação de chegar em casa e ler todo dia.


O que leva a um quarto desafio, que é a possibilidade de você colocar junto num mesmo suporte, não só o que é local, mas também o universal, provocando a diversidade de mostrar esses elementos diferenciados e como várias culturas convivem em um mesmo solo social. João Paulo traz para o jornalismo em geral e o jornalismo cultural em especial, um papel político fundamental, o de cidadania cultural.


Se, de um lado, para João, o que caracteriza a cidadania político-social é a ampliação de poder, de distribuição de renda, de maior espaço para se colocar a diferença; na área da cultura também é necessário aumentar os espaços de discursos, a capacidade da sociedade de se manifestar a partir das suas formas de criação e produção. Para João, enfim, ao aumentar as informações sobre entretenimento, ampliar o debate e o conhecimento e mesmo o espaço de visibilidade de produção de parcelas da sociedade, que muitas vezes não se vêem representadas no âmbito cultural, a proposta política do jornalismo cultural é afinal simples, porque complexa: tornar as pessoas mais felizes.

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