JD lendo o poemobjeto LAMA na Casa Outono BH dez 22
Foto: Andrea Dario
introdução:
Os náufragos conhecem bem as mensagens nas garrafas que vagam flutuando em busca sabe-se lá de alguém que à distancia, há de entender o chamado. Nessa garrafa anteriormente de água potável agora está a LAMA descrita ao longo da tira que descreve as enroladas circunstâncias do presente. A leitura com a manipulação performática desse poemobjeto corresponde à retirada dessas impurezas de dentro da garrafa, ou seja, um gesto simbólico e transformador de diversas negatividades.
LAMA / poemobjeto manipulável / garrafa plástica, varetas e tira de papel/ 30x10x10cm / folha impressa 180x10cm / 33 estrofes
LAMA
joão diniz
...que essa lama seja a gota d'água barragem que não barra arrasa vida a jusante um negligente descaso
desculpa incriminante a empresa só de lucros fere a terra e o ser mais um irreversível erro
seu produto é o desterro
com a ética manobrada a seu próprio favor verdades são relativas
em promoções atrativas
seu produto industrial
uma vendável escória que devora a natureza e sua boa memória
o povo é uma vitima daquele que em teoria finge querer ajudar
eloquente demagogia
política de negócios prestígio em liquidação bons valores ocultados
ferindo todos os lados recebe uma bolada por um trabalho não feito acha-se útil à nação
mesmo fazendo nada
suborno infâmia roubo procedimento comum os de ontem foram eles
e depois haverá algum
não tolera opositor desigual interação negando sua atenção
propagandeia o rancor
para diminuir seu tédio mostrando que tem poder a arma é seu remédio
o tiro é o seu dizer
o inocente é ingênuo bondoso ultrapassado velha pátria da ganância
seu hino é desafinado
...que essa lama seja a gota d'água
muito trabalho a ser feito mas a inércia domina um resultado invisível
sucederá a propina
um alto preço é taxado por quem inventa valor pensa que fora si mesmo
tudo a mais é pior
o outro é sempre menor numa visão limitada
xinga o que desconhece a violência o envaidece
minoria diminuta diz a voz arrogante
autoritária não pratica
a generosa conduta
antes de se julgar ofende seu adversário impondo seu infortúnio
comete erro primário
trata o gesto oposto como um vil golpe baixo e ataca de todas as formas
revelando péssimo gosto
uma religião é imposta em culto intolerante e na blasfêmia sagrada
segue com deus adiante
a mulher mãe de todos é atacada em silencio doméstica dor abafada
no familiar sofrimento quer encurtar a infância trabalho como degredo furtando toda a leveza
criança sem brinquedo
em vez de fazer o novo se contenta com pouco
no plagio da imitação
disfarça grave aflição sem nada para dizer despreza toda ciência pregando o que não sabe
ensinando inconsistência
...que essa lama seja a gota d'água
na agressão cidadã cada qual tem seu medo tropeça no torto passo
do assustado amanhã
mundo de leviandade espelho é dominante pretensa conclusão
acha-se uma beldade
a gente toda lá fora
mas está vidrada a visão no vidro da digital tela
cortina da ampla janela
disputa de agressão a democrática raiva se não seu é inimigo
alvo de guerra e perigo
um avião estrangeiro explode sem ter motivo perdido míssil certeiro
abate um voo vivo
o turvo ar que respira tem hálito de motor ataca planta e pulmão
antes vital ora tumor
a oferta de espaço sempre foi desigual está cheio o pequeno
e vazio o maioral
o alimento está na mesa desperto apetite estranho falsa é sua cor
tem veneno seu sabor
não pense que só se vê
no mundo essa aflição
declarar-se é a fé
a voz faz a intenção
fala para que se entenda
chama para que se una
o protesto é oferenda
o diálogo uma fortuna
fronteira do passado querendo ser desfeita semeando a união
amizade é a colheita
...que essa lama seja a gota d'água
Poema necessário, João Diniz! Parabéns!