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Figurações de Guilherme Mansur - Ronald Polito

Atualizado: 24 de jun. de 2023

Conferência proferida durante O evento Mansur



Quero agradecer ao Anelito de Oliveira e à Ana Paula Dacota o convite para participar deste evento e a todos os presentes. O tema que foi proposto são os trabalhos de artes plásticas ou visuais do Guilherme. Tendo em conta a natureza e a trajetória de suas pesquisas, onde dialogam e se misturam registros/recursos linguísticos e extralinguísticos, começarei por observar, nos trabalhos que, à primeira vista, podem ser tomados como poemas, como é possível perceber alguns deles de um ponto de vista imagético. Nesse campo, devem ser incluídos, naturalmente, seus poemas visuais. Um segundo agrupamento seriam seus trabalhos de composição tipográfica, em que sobressaem capas, tipologias, caligrafias, logomarcas, convites, e nos quais a visualidade se destaca. Para além desses materiais, as obras que talvez pudessem ser pensadas mais próximas do universo típico das artes plásticas.

Letra é imagem. Não apenas letras e palavras, mas todos os elementos da escrita, os acentos, os sinais de pontuação, o espaço em que se escreve. E isso pode ser levado ao pé da letra em certas poéticas, como é o caso do trabalho de Guilherme, potencializado pelo fato de ele também ser tipógrafo. Nesse cruzamento, é natural que para ele a visualidade da escrita se acentue e que ele a venha explorando de formas variadas, empregando desde os procedimentos típicos da tradicional arte tipográfica até os recursos que o computador nos facultou.

Comecemos então com um poema, “telhados”, em uma de suas versões, em que todo o apelo da composição é imagético.



A transformação dos parênteses em telhas e telhado é decisiva para o efeito que o poema deseja provocar. As telhas cobrem e protegem a intimidade do lar, criam um espaço íntimo, acolhedor. Quando algo se exterioriza, no único verso não bloqueado por parênteses, “beleza mais bonita essa”, num quase arroubo de emoção, novamente o sujeito se retrai e resguarda o bem dessa circunstância, como que falando só para si: “tê-las sob/ estrelas”, quando o universo, última palavra solta do poema, se acrescenta a essa epifania. Os cortes “sobre/ telhas” e “sob/ estrelas”, além de mimetizarem as filas de telhas, movimentam-se de cima para baixo e vice-versa, quando se olha para o céu infinito no final. Eles também acentuam os termos finais, como que criando um engasgue emocional.

Quero citar ainda outro poema em que o componente visual também é ativado: “Jabuticaba”, em que o preenchimento das letras “o” as transforma, simultaneamente, em “jabuticabas” e nas "pupilas" (ou meninas dos olhos). A mesma ambiguidade do “o” como letra ou jabuticaba/pupila talvez corra paralela à ambiguidade de “menina”, ora de uma garota que o atrai, ora dos olhos.



Já os poemas visuais podem aqui e ali ser tomados simplesmente como obras plásticas. “Memória”, para começarmos, em duas apresentações.



Memória é, aqui, não uma recordação recuperável, mas seu apagamento, o que subsiste como resíduo do que passou, uma construção a posteriori com o que restou que até chega a ser duvidosa. O poema também performa o destino de toda imagem/linguagem: seu desaparecimento.

Também centralmente visuais são todos os trabalhos do livro Bichos tipográficos. Trata-se de uma típica experiência de um tipógrafo, ainda que outro artistas plásticos tenham trabalhado no mesmo campo, como os diversos bichos criados por Guto Lacaz a partir de seus nomes. Deve-se lembrar, ainda, que essas experiências de transformar palavras em imagens, de animais ou não, se inserem numa tradição. Lembro-me, por exemplo, do mexicano José Juan Tablada e seu poema caligráfico “Li-Po”, ou dos caligramas de Apolinaire. Mas nos trabalhos de Guilherme, tal como nos de Guto Lacaz, o “método” é bastante exigente: é preciso insinuar o bicho ou seu comportamento só e somente só a partir de seu nome, numa completa economia de meios. Vejamos alguns:



Os poemas “foca”, “baleia”, “cupim” e “castor” se organizam a partir de imagens recorrentes de suas ações: a foca circense, o característico esguicho da baleia, o pequeno buraco que cava o cupim, atividade construtiva do castor.

Já “pavão” se orienta de outro jeito, a palavra forma a cabeça do bicho, tal como “camelo” mimetiza sua corcova, “rinoceronte” emula seu chifre e sua carapaça extremamente compacta e “pernilongo” extrai da própria palavra as longas pernas do inseto.




São esses os dois procedimentos básicos explorados em Bichos tipográficos com grande acerto lúdico nas imagens e sugestões criadas. Como vem dito no volume: “Agora pense em transformar o bicho no nome ou o nome na forma ou em alguma característica do bicho […] Tipo letras que viram bicho e coisas de bicho que viram nomes”.

Mais um exemplo de transformar uma palavra em uma imagem são as três páginas iniciais do livro Escrito sobre jade, com poesia clássica chinesa reimaginada por Haroldo de Campos, publicado pela Tipografia do Fundo de Ouro Preto, em 1996. O livro é composto em tipos móveis, mas as figurações de Guilherme foram concebidas em um computador. No caso, ele compõe a palavra “POESIA” como um feixe vegetal, talvez bambus se vergando ao vento, algo tão do Oriente. São três “leituras” visuais da mesma palavra, a segunda imagem circunstancia mais ainda o movimento pretendido. Note-se, portanto, que é uma obra que se realiza em cada uma de suas partes, mas, precipuamente, como uma unidade, um conjunto temporal, além de visual.




Outra vertente imagética no campo dos poemas é o livro bahiabaleia, de 2009, com haikais e desenhos gestuais de Guilherme. Diferentemente dos trabalhos até aqui citados, no livro dialogam claramente duas linguagens: versos e desenhos superpostos. É um convívio bastante harmônico, os desenhos primam pela mesma economia dos haikais, são “orientais” com seus poucos traços negros finos ou largos, em referência à arte do nanquim sobre papel, ou a Hokusai e sua grande onda. Eis algumas páginas:






Bandeiras: territórios imaginários, publicado em 2008, também opera com texto e imagens, um servindo de pretexto para o outro. Cada bandeira reúne dois países os mais improváveis, numa mistura de culturas a imaginar um mundo totalmente diverso desse que habitamos. O título da bandeira e sua “explicação” tanto é legenda quanto poema em prosa imergindo na geopolítica. Como exemplos, os países Frangola (França+Angola), Mônapal (Mônaco+Nepal), Vaticongo (Vaticano+Congo)… Eduardo de Jesus, em texto incluído no livro, aborda com propriedade a discussão que subjaz aos trabalhos: a desestabilização irônica de nossos conceitos de centro e periferia, a instauração de outros territórios imagináveis.




Até aqui, observamos poemas e criações que ainda operam com palavras, frases, estruturas de linguagem imediatamente reconhecíveis, transformados em imagens ou ao lado delas. É preciso ir além. Um objeto visual muito marcante na produção de Guilherme é “tatibitotem”, criado em 1990. O próprio título, uma palavra-valise, reúne a dificuldade da linguagem (tatibitate é aquele que, ao falar, troca consoantes, que tartamudeia, que gagueja) e sua natureza sagrada (totem como animal, planta ou objeto simbólico de uma cultura; ancestral ou divindade protetora). Em “tatibitotem” não há palavra legível (um tatibitate) e a linguagem e seus sinais são entronizados como objeto (em lugar de bichos ou plantas). Sua verticalidade pode dialogar com formas canônicas da arquitetura antiga: menires, obeliscos, colunatas (e me vem à mente a Coluna de Trajano em Roma), monumentos de celebração e homenagem. Aqui, é a própria linguagem que se reverencia.




Também de 1990 é o “Quadrado de estrelas para Gutemberg”, outro trabalho singular em usa produção. Novamente, estamos diante de um objeto construído com signos linguísticos, mas não legível, no sentido usual do termo. O que temos é um cosmos, uma exuberância de caracteres a sugerirem a possibilidade de todos os enunciados. Simultaneamente, os caracteres perdem sua função comunicativa e passam a integrar um puro mundo de sinais, formas, pulsações, quando o poema visual pode ser lido como uma representação do céu, do universo. Essa imagem foi explorada com variações em outros trabalhos que ele editou, como na capa de Finismundo: a última viagem, de Haroldo de Campos.




Creio que são suficientes esses exemplos da poesia escrita e da poesia visual do Guilherme para revermos como linguagem é imagem. Vamos em frente, agora tendo em mira seus projetos gráficos e o quanto eles dialogam com as artes plásticas ou visuais. Começo com a capa de Guilherme para a revista Transluminura, de 2013, editada pelo Centro de Referência Haroldo de Campos, da Casa das Rosas.





Há algo de escultural na obra, mas se trata, essencialmente, de um relevo com aparentes tipos móveis compostos em ordem direta, não na ordem contrária ou espelhada com que servem para serem impressos. A mimetização do sentido foi obtida por meio da fotografia da composição, quando ela adquire brilho, corpo, se ilumina e o metal reflete cores variadas. “Transluminoso” é aquilo que é luminoso devido a sua transparência. Em “Transluminura”, mais uma palavra-valise, a luminosidade decorre da relação entre a superfície das letras que se relevam, que saltam do fundo.

Cabe também mais um exemplo de outra publicação periódica, o jornal Amilcar, do Museu de Arte da Pampulha (BH), editado e diagramado pelo Guilherme em 2003. Vou me deter na composição engenhosa do título do jornal.




O “A” de Amilcar perfaz-se tal como os trabalhos do próprio Amilcar, seus desenhos e gravuras, ao mesmo tempo que remete ao triângulo tão característico de Minas Gerais e sua bandeira. Esse “A” é também usado na publicação como logo que acompanha a numeração das páginas.

Aliás, muitos anos antes, o “A” já havia se transformado no triângulo de Minas Gerais na logomarca da Tipografia do Fundo de Ouro Preto.





Ainda no campo das publicações periódicas, e já que falamos no triângulo tão mineiro, cabe registrar o cartão-convite feito por Guilherme para o lançamento da revista Ímã, número 5, editada por Sandra Medeiros, em Ouro Preto, em 1993. O convite é um luxo com a colagem sobre cartão do triângulo impresso em tios móveis sobre papel reciclado. O que temos é pura poesia visual a cada dia (“per diem”).




Outro convite que extrapola sua função e se torna objeto plástico é o da exposição Teias de arame, de Joé Francisco e José Efigênio Azevedo, realizada em 1992, na Casa dos Contos, em Ouro Preto. Há uma rede de fios que se superpõe ao texto impresso em tipos móveis sobre papelão, uma “leitura” imagética do tema expositivo.




Ainda no campo gráfico, merece menção especial a invenção de alfabetos, de tipologias, algo que é muito nobre na arte tipográfica. Guilherme desenvolveu famílias de caracteres a partir de um procedimento ímpar e que ele próprio esclareceu, ao falar das 10 paródias “cine-tipográficas” que ele criou, combinações poéticas de títulos de filmes com fontes digitais. Elas foram apresentadas na sua mostra “QUALquerPOESIA”, concebida como um “livro-instalação”, em 2007, na galeria Genesco Murta, Palácio das Artes (BH). Há aqui diversas ideias novas, entre elas, a exposição como livro-instalação e o alargamento do espaço expositivo ao incluir abecedários entre seus objetos. Sobre as famílias tipográficas, damos a voz ao poeta: “Pinço do computador a fonte Futura, faço uma interferência nela, ou seja, destruo essa fonte Futura e crio um alfabeto chamado ‘O Exterminador da Futura’. Essa seção também inclui o alfabeto ‘Al Capone’, que é feito com uma fonte chamada Chicago, que é metralhada por mim, fica toda furada”.



Em “O Exterminador da Futura”, a operação é de arruinar, fazer quase desaparecerem os caracteres, numa metáfora amarga de um futuro sem futuro.





Em “Al Capone”, as letras, crivadas de balas, igualmente arruinadas, seriam o desejável destino de todos os fora da lei, essa utopia da justiça.

Também criou alfabetos sem natureza paródica, como “Bomboletras”, numa referência ao bambolê de nossa infância. A tipologia é minimalista e oriental: pela economia de meios, o círculo e retas, pela incompletude das composições, com o olho a preenchê-las na leitura. Tudo gira como um bambolê. Há comicidade e alegria nessa tipologia.





Nos três alfabetos aqui apresentados podem-se perceber pontos em comum: redução, eliminação, limpeza dos excessos, algo de “minimalismo”, “provando” que menos informação muitas vezes é mais.

É preciso ainda incluir nesse rol de desenho, de caligrafia de letras, a imagem de identificação que Guilherme usa no Instagram. Uma letra “G” realizada com quatro largos traços, ao mesmo tempo perto e longe de Amilcar, com sua forma aberta, perto e longe da caligrafia oriental, com sua tridimensionalidade.


Por fim, vamos ver algumas obras que são mais específicas do campo plástico, em boa parte como decorrência do lugar em que se realizam, o espaço expositivo de museus e galerias, e não por necessariamente prescindirem dos elementos da linguagem escrita, como os alfabetos reproduzidos em grande escala que ele expôs, já comentados. Começo com seu trabalho que considero o mais importante nesse campo: Quadriláxia, de 1991, uma instalação com lona, papel e minério de ferro, medindo 450 × 350 cm, primeiro montada no mirante da Casa dos Contos (Ouro Preto), depois exposta no Palácio das Artes (BH), na mostra coletiva “Ícones da utopia”, realizada em 1992. Posteriormente, foi apresentada no Rio e em São Paulo. Parte dos papéis contém impressões de aglomerados de letras e símbolos gráficos.

A obra já recebeu algumas leituras, inclusive do próprio autor ao comentar os “meteoros-metáforas” que as pedras de minério de ferro (o “chão” do quadrilátero ferrífero, a que o título alude em parte), matéria bruta da arte tipográfica, encarnam, a dinâmica variada de silêncio e ruído, o contraste técnico entre composição tipográfica e ampliações com xerox, até estourar os tipos ou reduzi-los ao quase desaparecimento, numa dupla estratégia de ilegibilidade, o diálogo com o tema da pedra na poesia brasileira, a tensão e dinâmica de claros e escuros, de lona escura sob papéis brancos com impressões em preto sob pedras escuras.




No catálogo feito para mostra do poema-instalação no CCBB do Rio, em 1992, o texto de Angelo Oswaldo elenca outros traços relevantes: as diversas relações que podemos estabelecer entre as formulações de Mallarmé em torno da página em branco, do acaso, da linguagem como constelação e a galáxia de letras de Guilherme, uma homenagem a Gutemberg, o inventor dos tipos móveis.

Sendo um trabalho que permite diversas interpretações, as pedras prenunciam possibilidades de novas fundições, mais letras e textos, num ciclo de renovação que vai da matéria bruta à criação e daí à decomposição, de significados e mesmo dos materiais de que a instalação é feita.

Posteriormente, “Quadriláxia” se desdobrou em outras instalações. Na coletiva “A Gravura da Linguagem”, realizada no Paço Imperial (RJ) em 1998, que buscou tratar do modo como a composição tipográfica interfere na imagem impressa, ele apresentará uma série de oito objetos tipográficos que intitulou “Quadriláxia”. Àquela altura, é esclarecedor seu depoimento sobre o que busca: “Quando imprimo entro na linguagem da gravura”. Bem depois, em 2007, fará três instalações: Quadriláxia, Sísifo e Quarto dos Quatro Contos Menores, apresentadas na mostra “QUALquerPOESIA”.



Sísifo, na reprodução acima, que pode remeter à land art, é reduzido a seu suplício, carregar eternamente uma pedra. Ou melhor, tem seu suplício amplificado, multiplicado, não uma pedra, mas uma enorme quantidade de pedras, quando seu trabalho se torna muito mais extenuante e sem sentido. Se o ponto de partida é semelhante a, por exemplo, os enormes círculos de pedras, as muitas “mandalas” de Marcos Coelho Benjamin, o procedimento é radicalmente distinto. Em Benjamin, há um desejo de organização, uma racionalidade no posicionamento das pedras, uma vontade de ordenar as coisas do mundo. Em Guilherme, as pedras são um amontoado caótico, uma desordem, a desnudar o que há de irracional no sofrimento humano. E novamente podemos notar como o trabalho de Guilherme prima pela condensação, pela redução de elementos a um só capaz de imantar o sentido almejado e, simultaneamente, criar outros modos de compreender seu ponto de partida. O mito de Sísifo aparece tensamente renovado, adquire novas implicações. E é perceptível que as instalações se relacionam, há pontos de contato entre Sísifo e Quadriláxia.

Já em 2014, no evento “Poesia, Tipografia e Artes Gráficas”, uma homenagem ao poeta e tipógrafo Guilherme, organizada por Mário Alex Rosa no Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais (Cefet), em Belo Horizonte, Quadriláxia é apresentada ocupando toda uma parede e se estendendo ao chão. Não uma lona com papéis e pedras, mas um papel gigantesco composto com milhares de tipos impressos e ampliados. Vê-se assim que a ideia de “Quadrilaxia” persiste por décadas em seu trabalho como uma obra em progresso, multiplicando-se, desdobrando-se.




Guilherme também realizou alguns poemas-objeto, outra área eventualmente de fronteira entre linguagem e artes visuais. Caso de B. de Brossa, em homenagem a Joan Brossa, um dos mais destacados inventores de poemas-objeto no século XX. Guilherme também traduziu poemas de Brossa que lançou ao ar em uma de suas chuvas de poesia em Ouro Preto. B. de Brossa é tátil, afetivo, é o tecido maleável que nos abriga, o poema como artesanato, objeto das mãos, sempre a ser construído, tendo seu inacabamento como salvaguarda contra pretensões da obra concluída.




Outro poema-objeto intrigante, de 2016, foi feito com uma escala métrica de madeira, típica da atividade de marcenaria. Como os Bichos, de Lygia Clark, ele pede para ser tocado, manipulado, é tátil, lúdico, uma “obra aberta”, suas possibilidades de composição são virtualmente infinitas. Uma peça, portanto, sem forma porque se propõe como montagem, exercício, interação. A ferramenta ou instrumento é assim destituído de sua função, realizar medições, para se transformar em um repositório móvel de figuras, imagens, letras. A arte também pode ser um brinquedo. As duas imagens seguintes ilustram o que estou formulando.




Outro poema-objeto, da série “Tipogrampo”, é Niemeyer, de 2012, e se constitui de grampos sobre papel. É uma “costura”, um “bordado” com pequenas peças de metal, material de construção. Feito em homenagem ao arquiteto quando de seu falecimento, a letra final do nome, “r”, transforma-se numa escada ascendente, aludindo, ao mesmo tempo, a um elemento arquitetônico, às obras que Niemeyer desenhou e à sua ascensão em direção ao céu.




Concluo com o que me parece seu trabalho mais radical. Ele foi apresentado na Neue Nationalgalerie, um museu de arte moderna em Berlim, em 2011. A imagem “LaRoda” (poema visual de Brossa que Guilherme pegou emprestado para uma série de performances que pretendia realizar, segundo me esclareceu), uma inacreditável roda, antecipa a singular condição do poeta, a cada dia mais impossibilitado de se mover, preso numa cadeira de rodas, tendo seus movimentos ainda tolhidos por uma segunda vez, mas também protegidos, pela “escultura/ tentáculos de aço”, como se lê no poema de sua autoria. O título da escultura é Gudari Krieger, do artista Eduardo Chillida, e ela pertence ao museu. Numa mistura de basco e alemão, pode significar “soldado guerreiro”. O poema que acompanha a “instalação”, agudo na autoexposição da condição e da dor do poeta, é uma celebração da poesia exatamente como remédio a todo e qualquer sofrimento. Guilherme propõe seu próprio corpo no trabalho, numa mescla de performance quase “imóvel” e “muda”, happening e apropriação (da obra de Chillida), para travar o bom combate da arte.





As experiências táteis, a dimensão temporal da linguagem e das imagens, o uso de materiais “impensáveis” para a composição das obras, as letras e palavras como figurações, a pesquisa crítica de novas tipologias, a linguagem escrita como presença principal no espaço expositivo em diversos trabalhos de seu percurso, a condensação, o desbaste, o apagamento, o minimalismo de suas criações, o corpo quase mudo, quase paralisado como paradoxal performance, esses são alguns elementos que tornam ímpar o trabalho de Guilherme Mansur no campo das artes plásticas.

Por fim, quero agradecer a Júlio Castañon Guimarães pela informação sobre a revista Transluminura. A Mário Alex Rosa por sua ampla participação neste texto. Ele forneceu imagens, ideias, referências e orientações que foram fundamentais para sua escrita. Sobretudo, meus agradecimentos a Guilherme Mansur pelos esclarecimentos de determinados pontos e pelo envio de imagens aqui reproduzidas.


Ronald Polito

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