Seleção e apresentação de Ronald Polito
Em homenagem aos 90 anos de Augusto de Campos, Sphera apresenta um breve apanhado de suas traduções de poetas simbolistas ou próximos a eles. Sobressaem, naturalmente, as traduções de poetas franceses pois ocupam posição central no movimento. E entre eles o privilégio de poetas ou poemas que representam a vertente “coloquial-irônica”, nas palavras de Edmundo Wilson, que configura uma antipoesia no simbolismo. São os casos de Tristan Corbière e Jules Laforgue, mas também de um poema como “Vênus Anadiômene”, de Arthur Rimbaud. E isto sem descuidar da outra vertente, a “sério-estética”, de novo a partir de Edmundo Wilson, aqui representada por poemas de Stephane Mallarmé, Paul Verlaine e Paul Valéry. Ampliando seu campo de traduções de poetas tocados pelo simbolismo, selecionamos ainda exemplos de poesia em alemão (Hugo von Hofmannsthal, Rainer Maria Rilke e Arno Holz), inglês (William Butler Yeats) e castelhano (José Asunción Silva). Dos simbolistas brasileiros, incluímos um poema de Pedro Kilkerry e outro de Maranhão Sobrinho. Foram escolhidos poemas breves ou trechos de poemas de maior fôlego e que valem como um primeiro apanhado para o leitor prosseguir na leitura do amplo material que Augusto de Campos produziu sobre a poesia simbolista.
Para ir adiante, são fundamentais alguns fragmentos que iluminam sua concepção sobre o trabalho do tradutor, particularmente uma entrevista à revista 34 em que ele fala mais longamente a esse respeito. Em suas palavras, Augusto se norteou pela “perspectiva da crítica criativa, da crítica-via-tradução” e pelo esforço para “preservar as características formais do original”. E, nesse campo, são variadas as intervenções que empreendeu, sobressaindo o breve ensaio “Antipoesia no simbolismo”, publicado no livro Verso reverso controverso, que orienta o modo como se aproximou dessa poesia e os critérios que empregou para selecionar o que poderia ser traduzido; o importante resgate que efetuou da obra de Pedro Kilkerry, reposicionando-o no panorama da poesia simbolista brasileira; seu estudo sobre Ernani Rosas, poeta pouco lembrado entre nós; e seu excurso sobre Maranhão Sobrinho.
JULES LAFORGUE
(1860-1887)
Esterilidades
Cauteriza e coagula
E virgula
As lagunas com seus lises
Dessas Ofélias felinas
Folionas orfelinas.
De tua gula nutrizes
Cicatrizes
As tarântulas ovula
Dessas Ofélias felinas
Orfelinas em folia.
Surdo aos deslizes açula
Para a nula
Lua lunática as crises
Dessas felinas Ofélias
Das folias orfelinas!…
Sterilités
Cauterise et coagule
En virgules
Ses lagunes des cerises
De ces félines Ophélies
Orphelines en folie.
Tarentules de feintises
La remise
Sans rancune des ovules
Aux félines Ophélies
Orphelines en folie.
Sourd aux brises des scrupules,
Vers la bulle
De la lune, adieu, nolise
Ces félines Ophélies
Orphelines en folie!…
TRISTAN CORBIÈRE
(1845-1875)
E P I T Á F I O
para
TRISTAN JOACHIN–EDOUARD CORBIÈRE, FILÓSOFO
DESTROÇO, NATIMORTO
Mistura adúltera de tudo:
Fortuna, mas quase desnudo,
Energia e nenhuma brasa,
Liberdade, porém sem asa,
Coração, sim! alma a perigo —
Amigos, mas nenhum amigo,
Ideias, sem qualquer projeto,
Amor, mas sem nenhum objeto,
Preguiça em lugar de cansaço.
Das virtudes nenhum pedaço,
Alma embotada, mal servida,
Morto, sem ter curado a vida,
Bem-sucedido no fracasso,
Corpo a seco, ébrio sem beber,
A esperar, negando o futuro,
Morreu à espera de viver
E viveu com um morituro.
É P I T A P H E
pour
TRISTAN JOACHIM-EDOUARD CORBIÈRE, PHILOSOPHE
ÉPAVE, MORT-NÉ
Mélange adultère du tout:
De la fortune, e pas le sou,
De l’énergie et pas de force,
La liberté, mais une entorse.
Du coeur! Du coeur! De l’âme non —
Des amis, pas un compagnon,
De l’idée et pas une idée,
De l’amour et pas une aimée,
La paresse et pas le repos.
Vertues en lui furent défaut.
Ame blasée inassouvie.
Mort, mais pas guéri dans la vie,
Gâcheur de vie hors de propos
Le corps à sec et la tête ivre,
Espérant, niant l’avenir,
Il mourut en s’attendand vivre
Et vécu s’attendant mourir.
ARTHUR RIMBAUD
(1854-1891)
Vênus Anadiômene
Como de um verde túmulo em latão o vulto
De uma mulher, cabelos brunos empastados,
De uma velha banheira emerge, lento e estulto,
Com déficits bastante mal dissimulados;
Do colo graxo e gris saltam as omoplatas
Amplas, o dorso curto que entra e sai no ar;
Sob a pele a gordura cai em folhas chatas,
E o redondo dos rins como a querer voar...
O dorso é avermelhado e em tudo há um saber
Estranhamente horrível, notam-se, a rigor,
Particularidades que demandam lupa...
Nos rins dois nomes só gravados: CLARA VENUS;
– E todo o corpo move e estende a ampla garupa
Bela horrorosamente, uma úlcera no ânus.
27 de julho de 1870.
Vénus Anadyomène
Comme d’un cercueil vert en fer blanc, une tête
De femme à cheveux bruns fortement pommadés
D’une vieille baignoire émerge, lente et bête,
Avec des déficits assez mal ravaudés;
Puis le col gras et gris, les larges omoplates
Qui saillent; le dos court qui rentre et qui ressort;
Puis les rondeurs des reins semblent prendre l’essor;
La graisse sous la peau paraît en feuilles plates:
L’échine est un peu rouge, et le tout sent un goût
Horrible étrangement; on remarque surtout
Des singularités qu’il faut voir à la loupe…
Les reins portent deux mots gravés: Clara Venus;
– Et tout ce corps remue et tend sa large croupe
Belle hideusement d’un ulcère à l’anus. 27 juillet 1870.
STÉPHANE MALLARMÉ
(1842-1898)
Angústia
Esta noite eu não vim vencer teu corpo, harpia,
Vórtice do pecado, ou cevar no desejo
Dos teus cabelos vis um lívido lampejo,
Sob o tédio sem fim que o beijo prenuncia.
Só demando ao teu leito o sono em que te estiras,
Sob as cortinas do remorso reclinada,
E que podes gozar após tantas mentiras,
Tu que ainda sabes mais que os mortos sobre o nada.
Pois o Vício a roer minha nata nobreza
A ti e a mim marcou-nos de esterilidade,
Mas se teu seio tem tão pétrea natureza
No coração que dente algum de crime o invade,
Eu fujo em meus lençóis, hirto, sem cor, sem voz,
Com medo de morrer quando me deito a sós.
Angoisse
Je ne viens pas ce soir vaincre ton corps, ô bête
En qui vont les péchés d’un peuple, ni creuser
Dans tes cheveux impurs une triste tempête
Sous l’incurable ennui que verse mon baiser :
Je demande à ton lit le lourd sommeil sans songes
Planant sous les rideaux inconnus du remords,
Et que tu peux goûter après tes noirs mensonges,
Toi qui sur le néant en sais plus que les morts.
Car le Vice, rongeant ma native noblesse
M’a comme toi marqué de sa stérilité,
Mais tandis que ton sein de pierre est habité
Par un coeur que la dent d’aucun crime ne blesse,
Je fuis, pâle, défait, hanté par mon linceul, Ayant peur de mourir lorsque je couche seul.
PAUL VERLAINE
(1844-1896)
Arte Poética
A Charles Morice
Antes de tudo, a Música. Preza
Portanto o Ímpar. Só cabe usar
O que é mais vago e solúvel no ar,
Sem nada em si que pousa ou que pesa.
Pesar palavras será preciso,
Mas com algum desdém pela pinça:
Nada melhor do que a canção cinza
Onde o Indeciso se une ao Preciso.
Uns belos olhos atrás do véu,
O lusco-fusco no meio-dia,
A turba azul de estrelas que estria
O outono agônico pelo céu!
Pois a Nuance é que leva a palma,
Nada de Cor, somente a nuance!
Nuance, só, que nos afiance
O sonho ao sonho e a flauta na alma!
Foge do Chiste, a Farpa mesquinha,
Frase de espírito, Riso alvar,
Que o olho do Azul faz lacrimejar,
Alho plebeu de baixa cozinha!
A eloquência? Torce-lhe o pescoço!
E convém empregar de uma vez
A rima com certa sensatez
Ou vamos todos parar no fosso!
Quem nos dirá dos males da rima!
Que surdo absurdo ou que negro louco
Forjou em joia este toco oco
Que soa falso e vil sob a lima?
Música ainda, e eternamente!
Que teu verso seja o voo alto
Que se desprende da alma no salto
Para outros céus e para outra mente.
Que teu verso seja a aventura
Esparsa ao árdego ar da manhã
Que enchem de aroma o timo e a hortelã…
E todo o resto é literatura.
Art Poétique
A Charles Morice
De la musique avant toute chose,
Et pour cela préfère l’Impair,
Plus vague et plus soluble dans l’air,
Sans rien en lui qui pèse ou qui pose.
Il faut aussi que tu n’ailles point
Choisir tes mots sans quelque méprise:
Rien de plus cher que la chanson grise
Où l’Indécis au Précis se joint.
C’est des beaux yeux derrière des voiles,
C’est le grand jour tremblant de midi,
C’est, par un ciel d’automne attiédi,
Le bleu fouillis des claires étoiles!
Car nous voulons la Nuance encor,
Pas la Couleur, rien que la nuance!
Oh! la nuance seule fiance
Le rêve au rêve et la flûte au cor!
Fuis du plus loin la Pointe assassine,
L’Esprit cruel et le Rire impur,
Qui font pleurer les yeux de l’Azur,
Et tout cet ail de basse cuisine!
Prends l’éloquence et tords-lui son cou!
Tu feras bien, en train d’énergie,
De rendre un peu la Rime assagie.
Si l’on n’y veille, elle ira jusqu’où?
Oh! qui dira les torts de la Rime?
Quel enfant sourd ou quel nègre fou
Nous a forgé ce bijou d’un sou
Qui sonne creux et faux sous la lime?
De la musique encore et toujours!
Que ton vers soit la chose envolée
Qu’on sent qui fuit d’une âme en allée
Vers d’autres cieux à d’autres amours.
Que ton vers soit la bonne aventure
Éparse au vent crispé du matin
Qui va fleurant la menthe et le thym…
Et tout le reste est littérature.
PAUL VALÉRY
(1871-1945)
A adormecida
Que segredo incandesces em teu peito, amiga, Alma por doce máscara aspirando a flor? De que alimentos vãos teu cândido calor Gera essa irradiação: mulher adormecida?
Sopro, sonhos, silêncio, invencível quebranto, Tu triunfas, ó paz mais potente que um pranto,
Quando de um pleno sono a onda grave e estendida Conspira sobre o seio de tal inimiga.
Dorme, dourada soma: sombras e abandono, De tais dons cumulou-se esse temível sono, Corça languidamente longa além do laço,
Que embora a alma ausente, em luta nos desertos, Tua forma ao ventre nu, que veste um fluido braço, Vela. Tua forma vela, e meus olhos: abertos.
La dormeuse
Quels secrets dans mon coeur brûle ma jeune amie, Ame par le doux masque aspirant une fleur? De quels vains aliments sa naïve chaleur Fait ce rayonnement d’une femme endormie?
Souffles, songes, silence, invincible accalmie, Tu triomphes, ô paix plus puissante qu’un pleur, Quand de ce plein sommeil l’onde grave et l’ampleur Conspirent sur le sein d’une telle ennemie.
Dormeuse, amas doré d’ombres et d’abandons, Ton repos redoutable est chargé de tels dons, Ô biche avec langueur longue auprès d’une grappe,
Que malgré l’âme absente, occupée aux enfers, Ta forme au ventre pur qu’un bras fluide drape, Veille; ta forme veille, et mes yeux sont ouverts.
HUGO VON HOFFMANSTAHL
(1874-1929)
Tercetos sobre a efemeridade
Ainda sinto o seu alento em minha face:
Como é possível crer que tenha já passado
O dia que passou e para sempre passe?
É algo que entender não pode a nossa mente
E é terrível demais para ser lamentado:
Que tudo flua em vão e acabe de repente,
E que o meu próprio ego seja a projeção
De uma criança que houve em mim anteriormente
Tão muda para mim, e alheia, como um cão.
E que eu já estava ali, há um século, sem sê-lo,
E os meus antepassados, nos sepulcros, são
Comigo tão unidos como o meu cabelo,
Tão parte de mim mesmo como o meu cabelo.
Terzinen über Verganglichkeit
Noch spür ich ihren Atem auf den Wangen: Wie kann das sein, daß diese nahen Tage Fort sind, für immer fort, und ganz vergangen? Dies ist ein Ding, das keiner voll aussinnt,
Und viel zu grauenvoll, als daß man klage: Daß alles gleitet und vorüberrinnt. Und daß mein eignes Ich, durch nichts gehemmt, Herüberglitt aus einem kleinen Kind Mir wie ein Hund unheimlich stumm und fremd.
Dann: daß ich auch vor hundert Jahren war
Und meine Ahnen, die im Totenhemd, Mit mir verwandt sind wie mein eignes Haar, So eins mit mir als wie mein eignes Haar.
RAINER MARIA RILKE
(1875-1926)
Conclusão
A Morte é grande.
Nós, sua presa,
vamos sem receio.
Quando rimos, indo, em meio à correnteza,
chora de surpresa
em nosso meio.
Schluss-Stück
Der Tod ist gross.
Wir sind die Seinen
lachenden Munds.
Wenn wir uns mitten im Leben meinen,
Wagt er zu weinen
Mitten in uns.
ARNO HOLZ
(1863-1929)
Lá fora as dunas
Lá fora as dunas,
A casa só,
monótona,
chuva
na janela,
Atrás de mim,
tictac,
uma hora,
minha face
contra o vidro,
Nada.
Tudo passa.
Cinza o céu,
cinza o mar,
cinza
eu.
Draussen die Düne
Draussen die Düne.
Einsam das Haus,
eintönig,
ans Fenster,
der Regen.
Hinter mir,
tictac,
eine Uhr,
meine Stirn
gegen die Scheibe.
Nichts.
Alles vorbei.
Grau der Himmel,
grau die See
und grau
das Herz.
Sou uma estrela
Sou uma estrela. Eu brilho.
Triste,
súplice, lacrimapálida,
soergues para mim teu rosto.
Tuas mãos
choram.
“Consola-me.”
Eu brilho.
Todos os meus raios
tremem
no teu coração!
Ich bin ein Stern
Ich bin ein Stern. Ich glänze.
Traurig,
flehend, tränenbleich,
hebst du zu mir dein Gesicht.
Deine hände
weinen.
“Tröste mich!”
Ich glänze.
Alle meine Strahlen
Zittern
in dein Herz!
W. B. YEATS
(1865-1939)
O prazer do difícil
O prazer do difícil tem secado
A seiva em minhas veias. A alegria
Espontânea se foi. O fogo esfria
No coração. Algo mantém cerceado
Meu potro, como se o divino passo
Já não lembrasse o Olimpo, a asa, o espaço,
Sob o chicote, trêmulo, prostrado,
E carregasse pedras. Diabos levem
As peças de sucesso que se escrevem
Com cinquenta montagens e cenários,
O mundo de patifes e de otários,
E a guerra cotidiana com seu gado,
Afazer de teatro, afã de gente.
Juro que antes que a aurora se apresente
Eu descubro a cancela e abro o cadeado.
The fascination of what’s difficult
The fascination of what’s difficult
Has dried the sap out of my veins, and rent
Spontaneous joy and natural content
Out of my heart. There’s something ails our colt
That must, as if it had not holy blood
Nor on Olympus leaped from cloud to cloud,
Shiver under the lash, strain, sweat and jolt
As though it dragged road metal. My curse on plays
That have to be set up in fifty ways,
On the day’s war with every knave and dolt,
Theater business, management of men.
I swear before the dawn comes round again
I’ll find the stable and pull out the bolt.
JOSÉ ASUNCIÓN SILVA
(1865-1896)
Cápsulas
O pobre João de Deus, depois dos êxtases
de paixão de Aniceta, o infeliz,
passou três meses de amarguras graves,
e, após lento pungir,
curou-se com copaíba e com as cápsulas
de Sândalo Midy.
Enamorado logo da histérica Luísa,
loura sentimental,
se enfraqueceu, e foi ficando tísico,
e um ano e meio ou mais,
curou-se com bromuro e com as cápsulas
de éter de Clertan.
Logo, desencantado deste mundo,
filósofo sutil,
pôs-se a ler de Leopardi a Schopenhauer
e em momento de spleen,
curou-se para sempre com as cápsulas
de chumbo de um fuzil.
Cápsulas
El pobre Juan de Dios, tras de los éxtasis del amor de Aniceta, fue infeliz. Pasó tres meses de amarguras graves, y, tras lento sufrir, se curó con copaiba y con las cápsulas de Sándalo Midy.
Enamorado luego de la histérica Luisa, rubia sentimental, se enflaqueció, se fue poniendo tísico y al año y medio o más se curó con bromuro y con las cápsulas de éter de Clertán.
Luego, desencantado de la vida, filósofo sutil, a Leopardi leyó, y a Shopenhauer y en un rato de spleen, se curó para siempre con las cápsulas de plomo de un fusil.
…?…
Estrelas que em meio ao sombrio
Do desconhecido e do imenso
Pareceis vogar no vazio,
Farrapos pálidos de incenso,
Nebulosas tão longe além
No infinito que nos aterra,
Que só o revérbero nos vem
De vossa luz até a terra,
Astros que em abismos ignotos
Derramais resplendores vagos,
Constelações que nos remotos
Tempos adoraram os Magos,
Milhões de mundos inumanos,
Flores de um fantástico adorno,
Ilhas claras nos oceanos
Da noite, sem fim, sem contorno,
Estrelas, luzes pensativas!
Estrelas, pupilas absortas!
Por que vos calais se estais vivas
E por que luzis se estais mortas?…
…¿…
Estrellas que entre lo sombrío, de lo ignorado y de lo inmenso, asemejáis en el vacío, jirones pálidos de incienso, Nebulosas que ardéis tan lejos en el infinito que aterra que sólo alcanzan los reflejos
de vuestra luz hasta la tierra, Astros que en abismos ignotos derramáis resplandores vagos, constelaciones que en remotos tiempos adoraron los Magos, Millones de mundos lejanos, flores de fantástico broche, islas claras en los oceanos, sin fin, ni fondo de la noche, ¡Estrellas, luces pensativas! ¡estrellas, pupilas inciertas! ¿Por qué os calláis si estáis vivas y por que alumbráis si estáis muertas?…
PEDRO KILKERRY
(1885-1917)
Cerbero
É, não vens mais aqui… Pois eu te espero, Gele-me o frio inverno, o sol adusto Dê-me a feição de um tronco, a rir, vetusto
– Meu amor a ulular… E é o teu Cerbero!
É, não vens mais aqui... E eu mais te quero,
Vago o vergel, todo o pomar venusto
E a cada fruto de ouro estendo o busto,
Estendo os braços, e o teu seio espero.
Mas como pesa esta lembrança… a volta
Da aleia em flor que em vão, toda transponho,
E onde te foste, e a cabeleira solta!
Vais corações rompendo em toda a parte! Virás, um dia… E à porta do meu Sonho Já Cerbero morreu, para agarrar-te.
MARANHÃO SOBRINHO
(1879-1915)
Interlunar
Entre nuvens cruéis de púrpura e gerânio, rubro como, de sangue, um hoplita messênio o Sol, vencido, desce o planalto de urânio do ocaso, na mudez de um recolhido essênio… Veloz como um corcel, voando num mito hircânio,
tremente, esvai-se a luz no leve oxigênio da tarde, que me evoca os olhos de Estefânio Mallarmé, sob a unção da tristeza e do gênio! O ônix das sombras cresce ao trágico declínio do dia que, a lembrar piratas do mar Jônio, põe, no ocaso, clarões vermelhos de assassínio… Vem a noite e, lembrando os Montes do Infortúnio, vara o estranho solar da Morte e do Demônio com as torres medievais as sombras do Interlúnio…
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